Texto publicado na Revista Carta do Líbano em março de 2023 em homenagem as mulheres.
Talvez não exista uma receita infalível para empreender, mas certamente, para se obter sucesso é preciso ultrapassar as fronteiras da simples abertura de um negócio e da criação de um bom planejamento estratégico. E isso passa por buscar o que faz a diferença, a começar pela visão macro e o olhar à volta, buscando as oportunidades únicas que a vida sempre oferece.
Esse pensamento marcou a carreira da advogada e empresária Maurícia Cristina Hakmé Abboud, de 53 anos, ao deixar a profissão que tanto amava e na qual tinha uma solidez, segurança e futuro promissor – para se lançar no mundo dos negócios e escrever uma nova história de superação e sucesso. Nascida em Arapongas, norte do Paraná, Maurícia se formou em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. “Tornei-me advogada por vocação. É uma profissão que amo e na qual me dediquei por vários anos”, conta. Entretanto, em 1999, por influência do pai empresário, decidiu ingressar no ramo de confecções, uma área totalmente nova. Mudou para São Paulo, onde ainda vive, e abriu uma marca de roupas para bebês.
“Mulheres representam a maioria da população e demonstram que têm capacidade para empreender, inovar e desenvolver qualquer negócio. O empreendedorismo feminino é importante não só para quem deseja abrir um negócio. Mas também para transformar negócios que já existem, a realidade das empresas e as pessoas ao redor. Além de garantir uma nova visão de mercado, inspirar outras mulheres a serem independentes e movimentar a economia”, analisa
Árvore da vida
Vencer e causar impacto nos negócios não é tarefa das mais fáceis. De maneira geral ainda imperam o machismo e a misoginia. Por isso, conhecer histórias de mulheres de sucesso em diferentes organizações ajuda a seguir em frente e quebrar paradigmas. “Empreendedorismo é uma arte a ser praticada por ambos os sexos. Muitas mulheres nos inspiram com suas diferentes trajetórias. É o caso da Luíza Helena Trajano, do Magazine Luíza, e da Chieko Aoki, do Blue Tree Hotels. Ou de Irmã Dulce, Zilda Arns, Pérola Byington, Viviane Senna, Laurene Powell Jobs e Mackenzie Bezos, na área social”, cita como exemplos.
No caso de Maurícia, os exemplos vieram de casa. Mouna Hakmé Abdul Nour, sua tia paterna, lhe mostrou a importância de lutar pelas vitórias. Já a mãe e a avó materna, Louisa Youssef Khalil Kamilos, foram exemplos de resolução, firmeza e coragem. “A vaidade e a beleza não eram as qualidades que mais se destacavam. Mas a inteligência, a perspicácia e a ousadia dessas mulheres. Eram puras, autênticas, questionadoras, revolucionárias”, diz orgulhosa.
E orgulho não apenas dessas mulheres, mas de toda a família, que ela compara aos galhos de uma árvore. “Eles vão em diferentes direções, mas todos têm o mesmo tronco e surgem das mesmas raízes. O impacto das minhas raízes libanesas na vida pessoal e profissional é o que move meus atos. Existe uma conexão entre o que sou hoje com meu passado, que inclui pais, avós, cultura, educação e valores”, afirma. A família de Maurícia tem origem no norte do Líbano, na região de Akkar. Seu pai nasceu em Kobayat e sua mãe em Ejbeh, próximo a Zgharta.
Valorizando o pensamento de que “se as raízes são profundas, não há motivos para temer os mais fortes ventos”, ela decidiu aprofundar o conhecimento e suas relações com a terra de seus antepassados. Esteve quatro vezes no Líbano, e se encantou com o país extraordinário: “A vida lá é movimentada, divertida e alegre. Foi marcante e inesquecível”, avalia. O que mais a marcou, entre tantos aspectos, foi a natureza. “É um paraíso terrestre, com flores de cedros, carvalhos e pinheiros; com um Mediterrâneo em tons azulados banhando toda sua costa oeste e cujas belezas rivalizam com as montanhas cobertas por neve no inverno. Sem falar da história milenar, contada pelos sítios arqueológicos e pelos monumentos históricos”, enumera. Sem esquecer da imagem que não lhe sai da cabeça: o pôr do sol.
Encantou-se também com o lado humano do país, especialmente pelo acolhimento, a amabilidade e a hospitalidade do povo. Gente que, mesmo enfrentando a dureza de uma longa guerra civil (1975-1990) e vários desastres ambientais, não deixou de ser extrovertida, amigável e religiosa. “É um povo cosmopolita, acostumado a superar adversidades. Gostam de música e dança e têm uma gastronomia da melhor qualidade. Mesmo tendo enfrentado tanta violência, não se ouve falar de roubos, assaltos e latrocínios nas cidades. Dá para andar nas ruas tranquilamente e deixar os pertences em qualquer ambiente”.
Presente e futuro
No momento Maurícia prepara o lançamento de uma nova grife voltada para bebês. G.A. Baby é uma das suas grandes apostas e exige atenção dobrada. Apesar das solicitações no trabalho, ela não descuida da casa e da família. “Conciliar o lar e as necessidades daqueles que você ama com a rotina dos negócios é uma das grandes dificuldades para mulheres. Por isso, defino horários específicos para o trabalho e faço uma gestão das tarefas. Divido meus planos em pequenos projetos e metas. Dessa forma, fica mais fácil conciliar profissional com pessoal”, ensina, garantindo que, se bem gerido, o tempo sobra. Tanto que Maurícia está envolvida em projetos sociais. Mensalmente visita um asilo, nas imediações de sua casa, e um abrigo de crianças deixadas para adoção. Arregaça as mangas para auxiliar o dia a dia tanto dos da primeira idade quanto dos mais velhos. “Para mim é um investimento essencial para o futuro. Chegar ao final do dia e ver que dei conta do recado, fiz o meu melhor e ajudei quem precisava dá uma satisfação muito grande. A sensação de dever cumprido é indescritível e me faz ver que todo o sacrifício valeu a pena”, conclui.
A Mauricia Cristina Hakmé Abboud veio a falecer no dia 23 de maio após internação durante um mês em UTI devido às complicações de um Câncer de Mama.